Resta-nos então reconhecer a dualidade espírito-intelecto que ocorre freqüentemente no ser humano. Esta dualidade é confusamente por todo homem, como várias expressões muito usadas permite verificá-lo.Por exemplo, cada um de nós já ouviu empregar a expressão “Eu me observo a mi mesmo”. Mas é muito raro que quem se exprime assim procure compreender em toda sua profundidade o que esconde esta curta frase. Ela diz entretanto que “eu” observo a “mim”. Mas o que é “eu” e o que é “mim”? Raríssimas são as pessoas que abordam seriamente a questão.Você mesmo, leitor, que para um instante a leitura e reflita “com sua alma e consciência” no que exprime esta curta frase. Não vá muito depressa! As palavras tocam instantaneamente seu intelecto (é seu papel, elas são feitas para isto!), mas este, compreendendo-as, fá-las parar, retém seu sentido e não as deixa penetrar até o espírito que, só ele, pode assimilar seu conteúdo. Faça este esforço! Se você se recusar a isto, você deixa passar uma ocasião de aprender a se reconhecer a si mesmo.Sócrates dizia, entretanto, com justa razão, que se conhecer a si mesmo é a condição da felicidade. Reflita! a palavra é certa: “reflita”, “eu” sobre seu “mim”, a fim de que “mim” tome consciência de “eu”. Como um espelho, “reflita” sua própria imagem. Então aprenderá talvez a se reconhecer, se você fizer o esforço de interiorização necessário.Outro exemplo, mais fácil talvez. Dizemos algumas vezes de um ser humano que ele não é sincero consigo mesmo ou que mente a si mesmo. Mas se perguntarmos aos que se exprimem desta maneira: quem mente a quem neste homem? Que elemento de sua personalidade não é sincero consigo mesmo? Quem é que, nele, mente a si mesmo? Geralmente só recebemos por resposta um olhar assustado por ter sido formulado tal pergunta.Ora, o inimigo da consciência, voz do espírito que vive em nós, este inimigo quase sempre vencedor, que procura manter-se à força num trono usurpado, é o intelecto. É ele que procura se impor em cada um de nós, em todas as circunstâncias, sobre uma consciência espiritual que se tornou muito fraca – por nossa própria culpa – para não somente lhe opor resistência, senão também para não dominá-lo como o deveria fazer em todas as circunstâncias.É tão certo que a consciência espiritual se tornou muito fraca na maioria de nós que, quando queremos escutar suas advertências, ficamos na obrigação de procurar o isolamento, de nos recolher, de fazer cessar o movimento constate de nossa existência tão monopolizada, de fazer calar nossos interesses materiais, nossas paixões, para tentarmos “nos encontrar” “nos recuperar” e “nos criticar”.O intelecto fala tão permanentemente em nós que a voz de nosso espírito, já muito enfraquecida, hoje em dia chega a ser quase inaudível.O intelecto se recusa em todas as circunstâncias e deliberadamente a assumir os papéis secundários. Por toda parte e sempre ele quer dominar, quer ser o primeiro. Aí reside o profundo drama do homem: Confusamente, ele desejaria agir bem (“Quem de nós não tem sede de nobreza?”, dizia Oppenheimer), desejaria ser bom. Mas este querer muito fraco é suplantado incessantemente por uma vontade intelectual mais ativa que, por sua própria natureza, só é capaz de encarar o bem de sua existência temporal imediata e não o Bem em sua acepção espiritual mais elevada.Paulo de Tarso confessava: “Eu faço o mal que não quero e não faço o bem que desejaria fazer!” Todo homem sincero conhece esta tragédia.A conciliação destes dois companheiros dissociados desde sempre (espírito e corpo) através da afirmação de um psiquismo inconsciente teve como resultado uma grande revolução na mentalidade ocidental, mas à custa de uma humilhação do homem relativamente à imagem que tinha de si mesmo.“Tudo se passa como se o mais íntimo de nós mesmos fosse um outro alguém que nós ignoramos, como se houvesse, subjacente à nossa vida, uma vida mais profunda a orientá-la. (…) Julgamo-nos e mostramo-nos como desejamos ser. Mas outra coisa é o que realmente somos. Toda a linha externa do carácter se prolonga, num domínio obscuro de que não temos consciência, e cujos mistérios desconhecemos.”
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